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USP propõe reformular pós-graduação e reduzir tempo para formar doutores

Aluno poderá migrar para doutorado ao fim do 1º ano de mestrado, para evitar hiato entre uma etapa e outra; universidade diz que objetivo é diminuir burocracia e aumentar produção científica de grande impacto. Expectativa é iniciar mudança em 2020

A Universidade de São Paulo (USP) quer oferecer um novo modelo de pós-graduação, integrando o mestrado ao doutorado, o que reduziria o tempo total de titulação de seis para cinco anos. Com o novo formato, a instituição espera aumentar o número de doutores e, assim, estimular uma produção científica de maior impacto. Com a redução de um ano, também propõe oferecer um auxílio financeiro maior do que em outros programas para atrair os melhores pesquisadores do País.

 

A proposta foi encaminhada à Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada ao Ministério da Educação (MEC) principal financiadora da pós-graduação na USP. O Estado apurou que a análise está em fase avançada e a expectativa é de que o convênio para o novo formato seja assinado ainda no 2º semestre, para que comece a vigorar em 2020. Outras três universidades – Unicamp, Unesp e Unifesp – estudam aderir à proposta.

 

O novo sistema prevê que o aluno ingresse no mestrado e, ao fim do 1º ano, seja avaliado (com a apresentação de projeto ou pelo desempenho nas disciplinas) pelo orientador. Se há bom aproveitamento, ele já segue direto para o doutorado e teria mais quatro anos para concluí-lo. Assim, se exclui a necessidade de ter título de mestre antes de entrar no doutorado – formalmente já não há exigência do mestrado, mas, na prática, a maioria dos programas o coloca como pré-requisito.

 

“Demoramos muito para formar um doutor e, consequentemente, ter acesso à produção científica dele. São dois anos no mestrado, mais quatro no doutorado, sem contar o tempo que o pesquisador perde esperando prazo para as provas, financiamento. Na USP, se demora, em média, dez anos para conseguir a titulação completa”, disse ao Estado o pró-reitor de pós-graduação, Carlos Carlotti. Hoje, na maioria dos programas de pós ao fim do mestrado é preciso ser aprovado em um processo seletivo para ingressar no doutorado – hiato que leva, em média, de 3 a 4 anos.

 

Carlotti argumenta que o modelo trará mais estabilidade ao estudante, já que, se for selecionado para receber uma bolsa de financiamento, a garantirá até o fim da titulação. “Só metade dos pós-graduandos consegue bolsa. Às vezes, mesmo quem conseguiu o auxílio no mestrado, faz essa pausa antes do doutorado para juntar dinheiro, fazer uma reserva, porque não sabe se vai conseguir bolsa novamente.”

 

Como a Capes teria um ano a menos para financiar o pesquisador, a USP sugeriu que seja paga uma taxa de bancada (que serve para a compra de equipamentos, viagens e congressos que colaborem com a pesquisa) de R$ 700 ao mês. “As bolsas têm um valor muito pequeno. Então, essa taxa seria um atrativo importante e pode nos ajudar a atrair os melhores talentos.” Hoje, a Capes paga R$ 1,5 mil por mestrando e R$ 2,2 mil por doutorando – o valor não é reajustado há seis anos.

 

Qualificação

 

Com a proposta, a USP quer concentrar recursos financeiros, equipamentos e professores para o doutorado. Hoje, a universidade forma 4 mil mestres por ano, mas só 1,5 mil ingressa no doutorado.

 

Segundo Carlotti, partiu da Capes o pedido para que a USP apresentasse uma proposta que alterasse o modelo atual, criado em 1965. “O plano nacional de pós-graduação tem como meta aumentar o impacto da produção científica e diz que um dos caminhos é incentivar o doutorado. Antes, quando não havia tantos programas de pós pelo País, era importante formarmos mestres para disseminar a ciência. Agora, a demanda é outra.”

 

Se for aprovado pela Capes, o novo modelo terá adesão voluntária dos programas da USP. Segundo Carlotti, 50% dos coordenadores dos programas de pós já demonstraram interesse e ele acredita chegar a mais de 90% nos próximos anos.

 

Flavia Calé, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), avalia que o novo modelo pode beneficiar quem quer seguir a vida acadêmica. “Hoje, muita gente se vê obrigada a fazer um mestrado para poder prestar concurso ou ter uma promoção profissional. Quem quer fazer pesquisa pode ir direto para o doutorado.” Ela alerta, porém, que o mestrado não deve ser eliminado ou perder espaço no financiamento.

 

Procura menor leva interessado a ‘pular’ etapa

 

Sem ter feito mestrado, o doutorando Fabio Muffo, de 39 anos, pesquisa desde 2016 o comportamento do buraco negro Sagitário A*, localizado no centro da Via Láctea, pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.

 

Abrir mão do mestrado foi a opção para “ganhar tempo”. “Terminei a graduação e estava interessado na pós, mas já era mais velho. Teria de fazer dois anos de mestrado e mais quatro de doutorado”, afirma Muffo, que, formado em Administração, estava na segunda faculdade, de Astronomia. “Para mim, a principal vantagem foi o tempo, mas há quem pule a etapa porque há menos procura por vagas de doutorado.” Mas, sem ter feito a etapa anterior, o aluno precisa fazer número maior de disciplinas no doutorado - seis, em vez de quatro. O prazo para entrega da tese também é maior, superior a cinco anos.

 

Professor do Instituto de Física da USP e membro da equipe do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que venceu o Prêmio Nobel da Paz de 2007, Paulo Artaxo diz que “pular” o mestrado já é comum no exterior. “Originalmente, o mestrado era uma qualificação intermediária, em que o sujeito não precisava fazer um trabalho inovador. Era basicamente um treinamento para o doutorado”, diz. “O ideal é realmente dar o passo principal, o doutorado direto depois da graduação, como em Harvard (EUA) ou outros lugares desenvolvidos.”

 

Para ele, a proposta também facilita a carreira acadêmica. “Quem fez mestrado já defendeu a dissertação diante de uma banca, então certamente está qualificado para doutorado. Não precisa burocratizar mais uma etapa da vida do sujeito.”

 

Maturação

 

A bióloga Paula Carvalho, de 33 anos, diz que o novo modelo deve ajudar quem tem certeza da linha de pesquisa que quer seguir, mas pode prejudicar quem pretende mudar de área entre as titulações, como foi o seu caso. Durante o mestrado em microbiologia, ela percebeu que não tinha interesse em trabalhar na área e levou dois anos para descobrir que queria mesmo é trabalhar com saúde pública. “Precisei de um tempo de maturação, dei aula e só depois entendi o que me atraía para a vida acadêmica”, conta. Ela ingressou no doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP e, hoje, já está no pós-doutorado.

 

Na Europa e nos EUA, titulações já são independentes

 

O novo modelo proposto pela USP segue o formato adotado na maioria dos países da Europa e nos Estados Unidos, que dissociaram o título de mestrado para o ingresso no doutorado.

 

Nos Estados Unidos, são consideradas titulações diferentes e independentes. O aluno pode, ao fim da graduação, já ingressar no doutorado. Também não há um tempo fixo para todos os programas de doutorado, que podem levar de dois a cinco anos.

 

Modelo semelhante é mantido por 47 países europeus, que são signatários do Tratado de Bolonha. Para o título de mestrado, é preciso cumprir um número mínimo de créditos em um período de três a quatro semestres. Já o doutorado, além da exigência dos créditos, prevê a necessidade de elaboração de tese original e especificamente elaborada para a titulação. Os dois também são independentes e não há pré-requisito de um para o outro.

 

(O Estado de SP)

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