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EDUCAÇÃO SUPERIOR

Cientistas relatam aumento de pesquisadores em busca de oportunidades no exterior

O físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser, professor do Dartmouth College, em New Hampshire, nos EUA, vê o cenário brasileiro como extremamente difícil para os pesquisadores e alunos de pós-graduação e aponta a falta de previsibilidade como o maior obstáculo para o avanço da ciência no Brasil

Enquanto cortes orçamentários impedem a renovação das equipes de pesquisadores nas instituições públicas, atingindo bolsas de estudos e os programas de pesquisa, jovens mestres e doutores que poderiam estar contribuindo para a ciência no Brasil, buscam abrigo no exterior.

 

Ainda não há estatísticas oficiais, mas a socióloga Ana Carneiro da Silva, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp, que pesquisa o tema, definiu, em entrevista à revista Fapesp no início do ano, a ida atual de pesquisadores para o exterior como uma segunda diáspora – a primeira aconteceu na década de 1990.

 

“Vejo um número cada vez maior de estudantes brasileiros de graduação querendo sair do País”, afirma o físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser, professor do Dartmouth College, em New Hampshire, nos EUA, autor de vários livros best-sellers, Gleiser é um dos mais premiados e conhecidos cientistas brasileiros vivendo no exterior. Em entrevista por e-mail ao Jornal da Ciência, ele disse que, embora também não tenha dados atualizados, vê aumentar a demanda para imigração. “Recebo cada vez mais e-mails de jovens de 13 a 18 anos perguntando o que devem fazer para estudar física e engenharia fora do Brasil”.

 

Para a professora Duília de Mello, é visível a tentativa de “fuga” de pesquisadores brasileiros para os EUA em decorrência dos cortes orçamentários. Vice-reitora da Catholic University of America (CUA), em Washington, onde leciona há onze anos, Duília de Mello foi uma das que imigraram para os EUA na diáspora dos anos 1990 para pesquisar no instituto que a CUA mantém dentro da Nasa. Depois de presenciar anos de retorno de pesquisadores para o Brasil, a professora acompanhou, só esse ano, a imigração de três pesquisadores brasileiros para os EUA na área em que ela atua, das chamadas ciências duras.

 

O físico Cláudio Lenz Cesar, colaborador da equipe Alpha da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), conta que este ano já perdeu para o exterior cinco jovens pesquisadores brasileiros pós-graduados que trabalhavam no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IF-UFRJ), em um projeto na área de antimatéria que ele coordena. “Estamos sofrendo uma perda de cérebros considerável”, afirmou Lenz. Ele lamenta a saída de profissionais qualificados, nos quais o País investiu recursos e agora vão exercer sua capacidade no exterior. “Eles foram embora por falta de perspectivas de tocar suas pesquisas no Brasil”, concluiu.

 

“É muito preocupante porque, nos últimos 20 anos, foi cada vez maior o investimento do Brasil em ciência e em educação”, afirma Duília Mello, frisando que as novas universidades e institutos federais que o Brasil criou são exemplos para o mundo. “E agora a gente começa a duvidar do futuro desse investimento, da continuidade. Esse é o problema do Brasil, muda o governo e descontinua tudo, essa incerteza para mim é o maior problema que os cientistas e professores brasileiros sofrem”, declarou.

 

Marcelo Gleiser vê o cenário brasileiro como extremamente difícil para os pesquisadores e alunos de pós-graduação e aponta a falta de previsibilidade como o maior obstáculo para o avanço da ciência no Brasil. “Pesquisa de ponta, para ser competitiva internacionalmente, precisa de consistência. Não é coisa da noite para o dia, toma tempo, dedicação e, muito importante, financiamento constante”.

 

Há quase dez anos baseado em Liverpool, na Inglaterra, o professor Ricardo P. Schiavon, opina que, a despeito das críticas, o impacto do Programa Ciência sem Fronteiras, implementado no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, trouxe um impacto positivo para os estudantes e pesquisadores brasileiros. Schiavon, que ensina e pesquisa astrofísica no Astrophysics Research Institute, na John Moores University, diz ter conhecido poucos casos de imigrantes, o que atribui ao restritivo “mercado” da astronomia, tanto para a pesquisa quanto para trabalho.

 

Mas relata que a região teve no passado recente muito mais estudantes brasileiros de graduação e pós-graduação fazendo estágios ou tocando pesquisas na região. “Em Manchester havia dezenas de estudantes de graduação fazendo estágio em engenharia e, com o fim do programa, tiveram que retornar ao Brasil, muitos sem ter conseguido concluir os estudos”.

 

A situação crítica no Brasil não passa despercebida pela comunidade acadêmica e científica internacional que, segundo Gleiser, tem demonstrado “surpresa e preocupação” quando recebe notícias do Brasil. “Existem várias alianças e grupos de pesquisa brasileiros com participação em projetos internacionais, como no CERN e nos observatórios do Chile e Havaí e os cortes prejudicam ou mesmo destroem essas alianças, isolando cada vez mais os cientistas brasileiros”. Para ele, se o Brasil pretende continuar a ser competitivo em ciência pura e aplicada e na criação de novas tecnologias, não pode seguir rumo ao isolamento. “Ciência é hoje uma atividade global”, conclui Gleiser.

 

Duília Mello conta que o chefe do Departamento de Sociologia da CUA pediu explicações a ela e outra socióloga brasileira que atua como diretora da biblioteca dentro da universidade. “Ele nos mandou e-mail perguntando se a gente estava sabendo de um abaixo assinado que estava circulando sobre o problema da filosofia e da sociologia no Brasil, e demostrou muita preocupação por não estarem dando valor a essas disciplinas”. Não foi o único, outras pessoas mandaram mensagens parecidas, perguntando “o que está acontecendo no Brasil?”, diz a professora.

 

(Jornal da Ciência)

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