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Pós-graduação pública sob ataque dentro da Capes

Última reunião do Conselho Superior da agência de fomento à pesquisa foi tensa entre representantes da comunidade científica, estudantes e integrantes do Ministério da Educação

Clima desalentador marca a última reunião do Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em Brasília (DF), dia 19 de junho. Representantes do MEC teriam alfinetado as universidades públicas durante o colegiado, que é responsável – entre outros pontos – por traçar as prioridades de atuação da agência de fomento. Os nomes do governo também deixaram clara a aproximação com a iniciativa privada, diante de preocupados integrantes designados pela comunidade acadêmica.

Ao serem questionados sobre os cortes na Educação, os representantes da SESu chegaram a responder de forma agressiva, segundo interlocutores. “Foi uma reunião tensa”, descreveu um dos conselheiros, que preferiu não ser identificado.

 

O tom do discurso governamental aumenta o receio da comunidade científica com os rumos da Capes, que sofre com um orçamento decrescente, nos últimos anos. De acordo com o Portal da Transparência, a agência executou R$ 7,65 bilhões em 2015; R$ 5,06 bilhões em 2016; R$ 3,94 bilhões em 2017; e R$ 3,33 bilhões em 2018. A assessoria da Capes divulga números diferentes, mas também em queda, nos dois últimos períodos: R$ 4,68 bilhões em 2017 e R$ 3,83 bilhões ano passado.

 

Para este ano, o orçamento aprovado é de R$ 4,25 bilhões, mas só foi executado R$ 1,58 bilhão até agora. E já há um contingenciamento anunciado da ordem de R$ 300 milhões. “Bimestralmente, a partir dos Relatórios de Avaliação de Receitas e Despesas, conforme a necessidade, o Governo Federal procede ao contingenciamento ou à liberação de recursos orçamentários”, informou a assessoria da Capes, por e-mail.

 

Das mais de 98 mil bolsas concedidas no mês de abril à pós-graduação, os dois congelamentos de 2019 atingiram cerca de 6% das cotas da Capes (6.198 bolsas). A assessoria da agência de fomento registrou que, por enquanto, o impacto é zero. “O congelamento refere-se à entrada de novos bolsistas”, respondeu.

 

Segundo alguns conselheiros ouvidos pela reportagem da AdUFRJ, os representantes da Secretaria de Educação Superior (SESu) do ministério disseram que a prioridade da pasta é garantir a estabilidade econômica. Nenhum esforço de assegurar verbas para a pesquisa ou para a agência de fomento foi apresentado.

 

Flexibilização

 

O colegiado, em sua terceira reunião do ano, tinha como pauta a apreciação de recursos para a abertura de novos programas. Mais de um dos conselheiros ouvidos relataram que houve uma pressão para que os critérios de avaliação dos programas de pós-graduação fossem flexibilizados. O objetivo seria favorecer o recebimento de mais bolsas de apoio à pós-graduação pelas instituições privadas de ensino. Durante a discussão, foi solicitado que um curso, mesmo sem a comprovação de corpo docente, pudesse ser aprovado. Mas o recurso para a abertura do curso acabou sendo retirado da pauta.

 

“Eles queriam que a Capes aceitasse apenas a promessa de que haveria a contratação de corpo docente”, contou um dos presentes à reunião. Ele acrescentou que os nomes do MEC falavam abertamente em adotar um sistema no qual os programas de pós-graduação fizessem as suas próprias avaliações.

 

O debate vem ao encontro do relato de outro conselheiro, que chamou atenção para um detalhe: o representante do setor privado de educação ficou mais próximo aos integrantes do MEC e falou bastante durante a reunião, algo que nunca teria ocorrido.

 

Básica x superior

 

Durante a reunião, os representantes do MEC também repetiram outro argumento do ministro Abraham Weintraub de que a prioridade do MEC não é a educação superior e, sim, a educação básica.

 

“Temos pontuado o impacto negativo do ajuste para a Educação. Mas o governo nega que houve cortes”, disse ao telefone a representante da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), Flávia Calé, que também esteve na reunião do dia 19. “Eles dizem que não há animosidade em relação ao ensino público. Mas ora reproduzem o argumento recorrente do governo de ‘prioridade para a educação básica’, como se uma coisa se contrapusesse a outra. Ora, repetem muitas vezes que o ensino superior privado é muito importante”, completou.

 

As reuniões do Conselho Superior da Capes também não têm escapado do discurso do governo pela aprovação da PEC 6/2019. “Ouvimos muitas vezes que, caso a Reforma da Previdência seja aprovada, a situação orçamentária da Educação pode ser revertida”, relata a estudante de História da USP. “A Capes já foi mais cuidadosa com a pós- -graduação brasileira”, criticou.

 

Para a representante dos pós-graduandos, há uma mudança significativa de tom no comando da agência. “Estamos acompanhando com cuidado porque o caminho que será tomado pela pós-graduação brasileira não está explícito. O que está claro mesmo é uma pressão maior do setor da Educação privada nos temas e na agenda da Capes”, disse Calé. “Percebemos uma maior participação e atenção à representação do ensino privado. E um avanço da flexibilização para a pós stricto sensu pelo ensino à distância”, exemplificou. “Parece que a Capes aderiu à política do MEC e do governo. A gestão anterior tinha mais cuidado em preservar um projeto de pós”.

 

Atas restritas

 

A assessoria da agência de fomento não disponibilizou as atas dos três encontros deste ano, solicitadas pela reportagem: “As atas das reuniões são confeccionadas em até 30 dias após a realização de cada reunião e são submetidas para aprovação do Conselho Superior na reunião subsequente. Somente após a aprovação pelo Conselho Superior é que a ata fica disposição para consulta na sede da Capes, em Brasília”.

 

(ADUFRJ)

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